sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Extra-Campeonato: O vôo fatal do Challenger, vinte e cinco anos depois

Deveria ter sido um vôo normal de sete dias a começar nesse dia 28 de janeiro e a terminar a 3 de fevereiro no mesmo lugar onde começou: o Kennedy Space Center. Tão normal que a unica cadeia de TV que iria transmitir o lançamento em direto era a CNN, então uma jovem cadeia de noticias por cabo. O vôo, denominado oficialmente de STS-51-L, era o primeiro desse ano e o décimo da história do "Challenger" e tinha dois satélites a bordo, um deles serviria para observar mais de perto o Cometa Halley, que andava nas imediações do sistema Solar por esses dias.

Esse vôo STS-51-L tinha outra particularidade: entre os seus sete tripulantes, levava uma civil. Era a primeira vez na história da NASA que isso acontecia. Era uma professora, de seu nome Christa McAuliffe, e tinha sido escolhida, entre mais de onze mil candidatos, para dar uma aula que estaria marcada para o dia 1º de Fevereiro. Os outros seis astronautas eram uma interessante mistura: dos sete, dois eram mulheres, e dos cinco homens, um era de origem asiática, Ellison Onizuka, e outro era afro-americano, Ron McNair.

O vôo deveria ter acontecido no dia 22 de Janeiro, mas tinha sido adiado por alguns dias, primeiro devido ao atraso do vôo anterior, e depois devido a vários pequenos problemas e o mau tempo num dos sitios de emergência que a NASA tem, em Dakar. Para piorar as coisas, nesse meio de janeiro, as temperaturas estavam mais baixas do que o habitual, com os técnicos da NASA a descobrir que a plataforma tinha gelo em algumas partes, incluindo o depósito de combustivel. E nessa manhã de 28 de Janeiro, a temperatura estava incrivelmente baixa para um estado como a Florida, pois o boletim meteorológico previa um grau negativo.

Isso tinha causado preocupações nos engenheiros da Morton Thiokol, a firma que tinha fabricados os foguetes de propulsão do Space Shuttle. Um deles, Roger Boisjoly, manifestara sérias preocupações em relação à resistência dos anéis externos de borracha, que devido ao seu constante uso e à exposição continuada aos elementos, poderia apresentar um desgaste permaturo, causando uma fuga potencialmente fatal para a nave e para a tripulação. Os engenheiros apresentaram essas preocupações à direção da empresa na véspera da partida, mas após uma reunião prolongada e contactos com o comando de Houston, decidiram que o vôo deveria prosseguir como planeado. Esse foi o erro fatal.

Na manhã de 28 de janeiro, a equipa de terra esteve a limpar parte do gelo acumulado na plataforma, mas isso era tanto que o vôo teve de ser adiado por uma hora, para as onze horas e 38 minutos, hora local (16:38 GMT). No momento em que o vaivem descolou na sua plataforma, a nave e os seus tripulantes só tinham mais 73 segundos de vida, e quem estivesse mais atento, teria visto fumo negro vindo de um dos foguetes, precisamente no tal lugar em que os cientistas da Morton Thiokol temiam: as juntas de borracha. À medida que ganhava altutude, o combustivel queimado desgastava esse parte do foguetão, a 2800 graus Celsius, fazendo com que os gases saissem também daí. Como era perto da saida principal, somente um olho treinado é que poderia ver que algo de mal se passava.

Para piorar as coisas, 37 segundos depois da descolagem, o vaivem começou a ser atingido por ventos laterais, chamados técnicamente na aviação por "windshear". A nave sofreu esses ventos fortes durante 27 segundos fez alargar o buraco que já havia na zona das juntas de borracha, precipitando o desastre, pois quando deixou de as sentir, ao segundo 64, faltavam apenas nove segundos para o desastre.

Quando aconteceu, o foguete desprendeu-se da sua estrutura e embateu no depósito de combustivel liquido, fazendo-o explodir uma enorme bola de fogo. A nave estava a 17.500 metros de altitude e as acelerações bruscas ao qual ele foi sujeito, da ordem dos 20 G's, fez com que o vaivem se desintegrasse com a explosão. Contudo, ao contrário do que se pensa, nem todos os astronautas morreram com a explosão. A NASA acredita que pelo menos três deles deverão ter recuperado brevemente a consciência e depois quando analisaram os restos da cabine, descobriram que alguns botões foram usados pelo o piloto Mike Smith, quando tentou retomar a energia eletrica da nave, julgando ela estar inteira na explosão. O que quer que tenha acontecido, na melhor das hipóteses, mesma que a cabine tivesse mantido a integridade após a explosão, o seu impacto na água, cerca de 330 G's, não daria hipóteses de sobrevivência a qualquer um dos sete membros da tripulação.

Ainda me lembro bem desse dia. O desastre tinha acontecido a meio da tarde, e quem contou a noticia foi o meu pai, que tinha acabado de chegar do trabalho. Apesar de ele ter dito mal o nome do vaivem, eu, mesmo com os meus nove anos de idade, tinha já consciência da gravidade da situação. Numa era sem Internet, e num país onde se vivia ainda a era do canal unico, só vi as imagens à hora do jantar, mais de duas horas depois de ouvir pela primeira vez.

Foi um choque para a América e para o mundo. O presidente Ronald Reagan, que iria nessa noite dirigir-se à nação no tradicional discurso do Estado da União, adiou-o por uma semana e perferiu fazer um discurso televisivo nessa noite. Nos dias seguintes, enquanto a nação honrava e entrerrava os seus mortos, a imprensa criticava a falta de cooperação da NASA com eles, o que levava a especulações algo infundadas. Poucas semanas depois, o Congresso estableceu uum inquérito, que teve o nome do seu presidente, William Rogers, antigo Secretário de Estado no governo de Richard Nixon. Entre os seus membros, nomes conhecidos como Neil Armstrong, o primeiro homem na Lua, Sally Ride, a primeira astronauta americana, Chuck Yeager, o primeiro homem a bater a barreira do som, Richard Fenyman, Prémio Nobel da Fisica em 1965 e Joe Sutter, engenheiro que desenhou o Boeing 747.

Mal a Comissão começou a trabalhar, descobriu que aquilo era um acidente à espera de acontecer, pois as falhas das juntas de borracha tinham sido detetadas em 1977, nove anos antes do desastre. E à medida que a Comissão fazia as suas investigações, Richard Fenyman, já famoso pelas suas abordagens fora do vulgar, descobriu à sua maneira que as chefias da NASA e os seus engenheiros sofriam de uma falta de comunicação entre eles que era quase de um nivel extremo. Um desses exemplos foi quando perguntou o grau de fracasso numas missão. As chefias falavam numa hipótese em cem mil, algo que Fenyman achou essa hipótese "irrealista ao ponto da fantasia", pois significaria que um desstre só ocorreria se o Space Shuttle descolasse todos os dias durante 274 anos seguidos. Quando fez as mesmas perguntas aos engenheiros, estes deram um numero mais realista: um em cada cem.

A comissão ficou chocada com os problemas técnicos e o funcionamento dentro da NASA, especialmente uma agência governamental onde a burocracia e a politica tinham substituido a tecnologia, e no relatório, recomendaram que os procedimentos de comunicação entre a administração e os engenheiros fosse melhorada, que as naves fossem reforçadas nos pontos mais vulneráveis, como nas juntas de borracha dos foguetes e que os lançamentos não fossem feitos a temperaturas tão baixas. Além disso, recomendou-se que a NASA suspendesse os lançamentos durante algum tempo. Num dos apêndices do relatório final, Richard Fenyman escreveu o seguinte:

"Aparentemente existiram enormes diferenças de opinião acerca da falha de um veículo com a consequente perde de vidas humanas. As estimativas variavam grandemente de um para cem para um em cada cem mil. As figuras mais baixas vinham dos engenheiros, as mais altas da direção da agência. Quais são as causas de tamanha discrepância nos números? Partindo do principio que um em cada cem mil significaria o lançamento diário de um vaivem espacial durante trezentos anos sem qualquer falha. Pergunta-se 'Qual é a razão desta magnifica fé na engenharia?' Aparentemente, para efeitos de concumo interno e externo, a direção da NASA exagerou na fiabilidade do seu produto ao ponto da fantasia".

Em jeito de conclusão, Fenyman escreveu: "Para que a tecnologia seja bem sucedida, a realidade tem de estar à frente das relações públicas, pois a Natureza não perdoa enganos".

O programa espacial americano ficou suspenso durante 32 meses, até ao dia 29 de setembro de 1988, quando o vaivem Discovery foi lançado para o espaço. Os procedimento foram mais rigidos e houve uma melhor comunicação, e tudo correu normalmente por mais dezassete anos, até a 1 de Fevereiro de 2003, quando o Columbia se desintegrou na reentrada na atmosfera, após um buraco feito na asa esquerda no momento da descolagem, quando uma das protecções de espuma se desprendeu do depósito de combustivel.

Quanto ao programa do Space Shuttle, está agora a chegar ao seu final de vida. Apesar de ter ainda sido construdo mais uma nave, batizada de "Endeavour", as naves, boa parte delas planeadas e construidas nos anos 70, estavam a ficar datadas e precisavam de uma nova geração de naves. Assim sendo, neste Verão acontecerá o último dos vôos, encerrando um capitulo da história espacial e da NASA.

1 comentário:

L-A. Pandini disse...

Speeder, nem precisa liberar este comentário.

O humor brasileiro é implacável - para o bem e para o mal. Um dia depois da explosão, ouvi de um amigo que o significado da sigla NASA havia sido alterado para "Need Another Seven Astronauts".

Outra coisa. Em março, tem etapa brasileira do Porsche Cup em Estoril. Evidentemente, quero ver você lá!

Abraços. (LAP)