quarta-feira, 22 de junho de 2011

Operação Fangio: a história de um rapto espectacular em Cuba

No final de 1957, Juan Manuel Fangio tinha 46 anos e tinha alcançado um inédito quinto título mundial na formula 1, depois de uma corrida épica no Nurburgring, indo para além dos seus limites numa condução heróica. Após isso, decidira que era a altura mais do que certa para fazer uma última temporada no automobilismo, antes de se reformar e regressar à sua Argentina natal e cuidar dos seus negócios.

Contudo, no inicio de fevereiro de 1958, estava em Havana para correr numa corrida de sportscars, o GP de Cuba, disputado nas ruas da capital, Havana. Fangio era o cabeça de cartaz de vários pilotos, todos convidados pelo presidente Fulgêncio Batista, que queria dar ao mundo uma aparência de normalidade. Mas a realidade era outra: uma ditadura brutal, que estava a ser combatida pelos guerrilheiros do Movimento 26 de Julho, comandados por Fidel Castro nas montanhas de Sierra Maestra. E mesmo com os guerrilheiros nas montanhas, havia calulas ativas nas principais cidades, destinadas a combater o Exército e as forças policiais, que reprimiam com violência toda e qualquer oposição a Batista.

Os guerrilheiros sabiam que o Grande Prémio era uma manifestação importante de relações públicas por parte da Batista, e seria também significativo se causassem algo de espectacular para perturbar o evento. E após alguma reflexão, decidiram que o melhor seria raptar um piloto. E não era um qualquer: iria ser o pentacampeão do mundo Juan Manuel Fangio.

O plano foi rapidamente delineado e coordenado por Faustino Perez, que mais tarde iria ser ministro no governo de Fidel Castro. Era simples: ir ao Hotel Lincoln, local onde ele se hospedara, ter com o piloto argentino e persuádi-lo de entrar num carro e ir com eles. Fácil no papel, mas complicado na prática: Fangio tinha seguranças à sua volta. Para isso, Perez contactou Oscar Lucero Moya, que comandava as operações secretas, e um homem de confiança para operações delicadas como esta.

Fangio já estava em Havana desde o dia 21 de fevereiro. Nos dois dias a seguir, foi treinar com o seu carro, um Maserati 400S e fora visitado por Fulgêncio Batista, que o saudou pela sua presença. No final do dia 23, depois da sessão de treinos, Fangio desceu do seu quarto para ir ao bar do hotel, onde estavam alguns dos seus amigos como o piloto e construtor Alejandro De Tomaso, o mecânico Guarino Bertochi e o "manager" Marcelo Giambertone, entre outros.

E de repente... “Estavamos a ter uma conversa quando de repente um homem com um casaco de cabedal nos aproximou", recordou Fangio. "Tinha uma pistola automática na sua mão e disse, de modo firme e decisivo que não nos deveriamos mexer ou nos mataria". O homem com a pistola na mão era Oscar Lucero, e os seus cumplices estavam espalhados na sala. A principio, Fangio pensava que era uma brincadeira, mas quando viu que não era, perguntou-lhe onde o levaria. Disse que o levaria para um sitio seguro e não tinham intenções de o fazer mal.

Descobri depois que haviam três carros envolvidos,” disse Fangio. “Eles guiavam devagar para não atrair as atenções. As pessoas que viajavam comigo pediram-me desculpas por aquilo que estavam a fazer, mas o que queriam era atrair a atenção do mundo para a sua causa".

Pouco depois, enquanto o faziam transportar de casa para casa segura, informavam o mundo que o tinham cativo. Como seria de esperar, os jornais colocaram a noticia nas suas primeiras páginas, e o governo de Batista, entre o enfurecido, humilhado e o embaraçado, faz uma operação de caça ao homem para recuperar Fangio, mas apesar das buscas casa a casa, não o encontram.

À medida que as horas para o inicio da corrida se aproximavam, parecia que os rebeldes iriam alcançar o seu objetivo. Fazer a corrida sem Fangio, raptado por eles, e causar um enorme embaraço a Batista. Ele poderia cancelar a corrida, mas decidiu que esta iria acontecer, mesmo sem Fangio. A corrida começou com hora e meia de atraso, e Maurice Trintignant iria correr no lugar de Fangio no seu Maserati. A corrida começou com um duelo entre o americano Masten Gregory e o britânico Stirling Moss.

Por essa altura, os seus raptores assitiam à corrida na televisão na sua casa segura. convidaram Fangio a vê-lo com eles, mas não quis, pois ainda sentia decepcionado por não estar presente. Mas na sétima volta acontece um acidente, quando o Ferrari de 2 litros conduzido pelo cubano Armando Garcia Cifuentes, despista-se numa curva à frente da embaixada americana e embate num guindaste cheio de pessoas. Isto causou a morte de seis pessoas e ferimentos em mais quarenta.

Ao ver o que tinha acontecido, provavelmente Fangio viu que o seu rapto deverá ter salvo a vida. E a corrida foi logo interrompida nesse instante e os organizadores declararam Moss como vencedor. Alcançado o seu propósito, surgia outro problema: como entregar "El Chueco" são e salvo, sem que o regime de Batista os apanhasse e matasse, incluindo Fangio. Depois de conferenciarem, decidiram que o melhor seria largá-lo à porta da embaixada argentina, o pais natal do corredor. Depois de contactos com o embaixador e garantias de que não seriam seguidos após a libertação de Fangio, este foi largado por volta da meia-noite na embaixada.

No final, o embaixador Raul Lynch - que era familiar... de Ernesto "Che" Guevara - anunciou ao mundo que Fangio estava são e salvo em solo argentino. "Bem," disse depois a um jornalista mexicano, "esta foi mais uma aventura. Trataram-me de modo excelente, tive as mesmas comodidades que teria se estivesse entre amigos. Se aquilo que os rebeldes afirmam é uma boa causa, eu, como argentino que sou, aceito-a".

E pouco depois, foi para Miami, onde a noticia se espalhara pelo mundo e os americanos não o largaram, chegando até a ser convidado do Ed Sullivan Show, a troco de mil dólares. Algum tempo depois, comentou com ironia: "Ganhei cinco campeonatos do Mundo, as 12 Horas de Sebring, mas tive de ser raptado em Cuba para ser conhecido neste país". Em 1959, os rebeldes chegam ao poder, mas Fangio só regressaria a Cuba em 1981, para fazer um contrato com o governo cubano, em nome da Mercedes, a firma que o representava. Fidel Castro chegou a interromper uma reunião de propósito para o receber. E quando Fangio fez oitenta anos, o governo cubano lhe mandou uma mensagem de parabéns, agradecendo a sua simpatia e colaboração pela causa, assinando a mensagem como... "seus amigos, os sequestradores".

Sem comentários: