quinta-feira, 15 de junho de 2017

A história do primeiro venezuelano na Formula 1

Quando se fala da América Latina nos anos 50, por exemplo, o que vêm ao de cima é a Argentina e a quantidade de pilotos que foram para a Europa correr. Juan Manuel Fangio, Froilan Gonzalez, Onofre Marimon, Carlos Menditeguy ou Roberto Miéres. Também houve Chico Landi e Hernando da Silva Ramos, brasileiros que desbravaram o caminho (e até receberam a admiração de Enzo Ferrari), e depois, bem mais distante, pensamos nos irmãos Pedro e Ricardo Rodriguez, no México, garotos prodígios que mostraram todo o seu talento na década seguinte, antes dos seus finais trágicos.

E depois, lembramos de Cuba, pelas suas corridas e pelo envolvimento politico na guerra civil entre Fulgêncio Batista e os "barbudos" liderados por Fidel Castro, que raptaram Fangio (e provavelmente, o pouparam de uma morte em corrida...). Mas ainda há outro país, cheio de apaixonados de automobilismo que por uns tempos, conseguiu atrair alguns dos melhores pilotos do mundo para correrem no seu pais. Esse era a Venezuela. País rico em petróleo (e ainda o é), conseguiu atrair muita gente vindo dos quatro cantos do mundo para trabalhar e prosperar. E um deles decidiu abraçar a nova nacionalidade para prosseguir a sua paixão. Hoje falo de Ettore Chimeri, o italiano que decidiu ser o primeiro venezuelano na Formula 1, muito antes de Johnny Ceccoto, Pastor Maldonado e de toda uma geração de pilotos que andaram noutros lados como Ernesto Viso ou... Milka Duno.

Chimeri nasceu a 4 de junho de 1921 em Lodi, nos arredores de Milão. Cresceu na Lombardia, e cedo foi para a Regia Aeronautica, a Força Aérea italiana, onde combateu na II Guerra Mundial como aviador. No final, com o seu país arruinado, decidiu emigrar, com a sua familia, para a Venezuela, onde esperava ter uma vida melhor.

E teve. E como prosperou tanto por lá que decidiu abraçar a nova nacionalidade. E Chimeri, que deve ter crescido a ver pilotos como Tazio Nuvolari, Achille Varzi ou Luigi Villoresi, entre outros, também era um apaixonado pelo automobilismo.

Em 1955, o TACV (Turismo e Automóvel Clube de Venezuela) decidiu fazer um Grande Prémio, desenhando uma circuito urbano na zona de Los Próceres, em Caracas. A pista fazia lembrar Avus, pois era desenhada ao longo de uma avenida, com uma curva grande numa ponta, e algumas chicanes pelo caminho, onde cortariam um pouco a velocidade.

Chimeri participou nessa corrida a bordo de um Ferrari da Gustalia, correndo na classe B (carros com motor entre 1500 e 2000cc), ao contrário de Fangio, Musso ou Miéres, que corriam na classe A. Chimeri foi penúltimo na grelha, e acabou a sua corrida na volta 44. Em 1956, numa corrida ganha por Stirling Moss, após um duelo intenso com Juan Manuel Fangio - mais um entre Masearti e Ferrari - Chimeri alinhou com um Ferrari 2000, mas também não chegou ao fim.

Houve mais dois Grandes Prémios na Venezuela, todos em carros de Sport. Phil Hill e Peter Collins venceram pela Ferrari em 1957, e em 58, foi a vez de Jean Behra a subir ao lugar mais alto do pódio. Mas por essa altura, tal como em Cuba... a politica interveio.

Não é nenhum segredo que a América Latina sempre foi vulnerável a golpes de estado militares ou revoluções populares, e as democracias, tal como as ditaduras, não duram muito. E a Venezuela era governada por um regime militar ditatorial desde 1948, que tinha derrubado o regime democrático. Nessa altura, quem governava o país era o general Marcos Perez Jimenez, que mandava com mão de ferro desde 1952. Contudo, no inicio de 1958, o povo estava farto dele e a 23 de janeiro, os militares depuseram-no e decidiram dar o poder às mãos da oposição, abrindo caminho a 40 anos de democracia naquele país, que ficou conhecido como a Quarta República.

O regime patrocinava vários eventos que promoviam o país no mundo, e o Grande Prémio era um deles. Com o final do "perezjimenismo", este caiu, mas Chimeri prosseguiu a sua carreira, porque queria competir lá fora. Os seus contactos em Itália lhe permitiram comprar um Maserati 250F por sete mil bolivares (naquela altura, a moeda local era muito forte) e tentar a sua sorte no Mundial de Formula 1.

Ele inscreveu-se no GP da Argentina de 1960, no seu Maserati 250F, mas por essa altura o carro já era datado, graças aos carros de motor traseiro, como o Cooper, bem mais velozes e equilibrados. Apenas conseguiu o 23º tempo e desistiu na volta 24 porque... simplesmente não aguentou o calor.

Duas semanas depois, a 27 de fevereiro, foi a Cuba para correr num Ferrari 250 TR (Testa Rossa) no GP de Havana. E acabou mal, quando o seu carro caiu para uma ravina com 40 metros de profundidade. Gravemente ferido, foi transportado para o hospital, onde acabou por sucumbir aos ferimentos. Tinha 38 anos.

Uma curiosidade desses tempos é outro piloto italiano, Piero Drogo. Apesar de ter feito boa parte da sua carreira de piloto em terras venezuelanas (entre 1956 e 58), e ter alinhado no GP de Itália de 1960 a bordo de um Cooper da Scuderia Colonia, nunca pediu a nacionalidade venezuelana. Aliás, acabou por regressar a Itália em 1959, para fundar a Carrozeria Sports Cars, que fez versões modificadas de carros da Ferrari, Jaguar e Maserati, antes de morrer num acidente de estrada em 1973, aos 46 anos.

E quanto à ideia de uma corrida de Formula 1 em terras venezuelanas, embora a ideia aparecesse de vez em quando ao longo das últimas cinco décadas, nunca se concretizou de verdade. A grande excepção foi no motociclismo, quando entre 1977 e 1979, para aproveitar o "hype" causado pelo título mundial de Johnny Ceccoto, o circuito de San Carlos serviu de palco da abertura do Mundial de motociclismo.

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