quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

O dia em que Hurley Haywood saiu do armário

Hurley Haywood é uma lenda da Endurance americana. Aos 69 anos de idade, o piloto que correu sobretudo em Porsches, venceu duas 12 Horas de Sebring (1973 e 1981) e por três vezes as 24 Horas de Le Mans, (1977,1983 e 1994). Para além disso, é o maior vencedor em Daytona, tendo estado no lugar mais alto do pódio por cinco ocasiões (1973, 1975, 1977, 1979, e 1991). E para além disso, teve participações na IndyCar, venceu por duas vezes o campeonato IMSA (1971-72) e o campeonato Trans-Am, em 1988, com o potente Audi 200 Quattro Turbo.

Na sua longa carreira, que terminou em 2012, correu muitas das vezes no Brumos Porsche, um 911, ao lado do seu compatriota Peter Gregg, que se suicidou aos 40 anos de idade, em 1980. A sua parceria era vista por muitos como "indestrutível", não só na pista como fora dela, pois ambos eram grandes amigos. Aliás, até partilhavam a mesma data de aniversário: 4 de maio.

Contudo, há algo interessante sobre a sua vida privada, um segredo aberto: Haywood é dos poucos pilotos de automóveis que são homossexuais. Sobre isso, ele sempre disse que era um assunto privado, do qual não merecia ser discutido em praça pública. Até que um dia, algures em 2015, uma entrevista mudou a sua vida. Um rapaz, que estava a acabar o liceu, pediu uma entrevista a Haywood para um trabalho de final de curso.

O rapaz, conta Haywood, "[estava a ser] muito profissional. Ele sentou, iniciou a entrevista e estava a fazer algumas perguntas muito boas. Mas, no meio do caminho, ele simplesmente ficou parado. Depois disse: 'Eu sofri bullying durante toda a minha vida. Todas as manhãs, quando acordo, penso em suicídio. Não tenho absolutamente nenhum respeito por mim mesmo'".

Imediatamente, Haywood passou de entrevistado para conselheiro. "Eu disse: 'Escuta, não é o que você é, é quem você é. É o que as pessoas lembram.

A conversa continuou. E quando terminou, Haywood diz que ele se sentiu muito bem com ele mesmo sobre a conversa que teve. 

Cerca de ano e meio depois, uma mulher telefonava a Haywood, dizendo-lhe "Você não me conhece, mas você deu uma entrevista ao filho sobre corridas e ... imediatamente pensei: 'Oh, Deus. O que aconteceu?' Então a mãe do jovem disse: 'Você salvou a vida do meu filho'" Ouvindo daquela mãe - bem, foi muito emocional. E eu pensei, se minha voz for forte o suficiente para ajudar um filho, pode ajudar duas crianças, ou cinco ou cem".

Questionado sobre se isso seria o fim do Hurley Haywood privado, ele sorri: "Bem, eu acho que é!"

Tudo isto surge numa altura em que ele está a em alta. A sua fotobiografia vai ser lançada no mês que vêm, que terá 420 páginas, e no final do ano um documentário sobre a sua vida, carreira e relação com Peter Gregg se estreará na televisão. Realizado por Derek Dodge e produzido por Patrick Dempsey, ali ele contará detalhes sobre ambos, especialmente as circunstâncias da sua morte, a 15 de dezembro de 1980.

Sobre isso, Haywood conta que Gregg sofria de um distúrbio mental do foro maníaco-depressivo, do qual ele acreditava que não precisava de medicamentos para o combater. E fala que havia uma história dessa na familia. A mãe de Gregg matou-se quando ele comemorava o seu sétimo aniversário, atirando-se para baixo de um comboio, depois de comprar o bolo de anos do filho.

"Peter achou que ele era muito inteligente para confiar na medicação", lembra Haywood. "Uma vez, Gregg alinhou suas pílulas de lítio em cima da mesa, para depois colocá-las no lixo. 'Eu sou mais forte do que qualquer droga', disse ele então. Ele pensou: 'eu posso lidar com isso sozinho'".

"Peter Perfect", seu apelido no automobilismo, dada a sua ultra-competitividade na pista, era em privado uma pessoa complexa e brilhante. Dez dias antes de se matar casou-se com Deborah Griggs, uma negociante de arte, então com 25 anos, e depois de se enviuvar, tornou-se piloto da IMSA ao longo da década de 80, com algum sucesso. No dia em que se matou, com uma pistola de calibre 38 na sua cabeça, deixou um bilhete de suicídio, onde escreveu: "Não consigo mais gozar a vida, tenho o direito a acabar com ela."

Haywood avança com uma explicação para o sucedido: "Peter não aceitou que tinha perdido competitividade".

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